domingo, 7 de setembro de 2014

Assistência Social: Sociólogo comenta a atuação nesse campo após lei que modificou a atividade, atribuindo-lhe um papel articulador e de diagnóstico, para além da "caridade"

por Lejeune Mirhan *| Fotos: Divulgação

O mercado de trabalho tem se mostrado bastante amplo para os sociólogos. Para ser mais preciso, em pelo menos 18 áreas diferentes já se encontram profissionais de Sociologia. Uma das mais recentes, na qual ainda há disputa com outras profissões, é a da Assistência Social. Nesta edição apresentamos um representante sociólogo desse setor. Marcos Melão, como é mais conhecido, é antigo lutador de causas sociais. É sociólogo desde 2006, formado pela Fundação Santo André. Foi professor da rede estadual de ensino. Desde 2010 exerce o cargo de agente de desenvolvimento social na Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo, onde dezenas de colegas sociólogos atuam. É membro do Fórum Estadual de Trabalhadoras e Trabalhadores no Sistema Único de Assistência Social de São Paulo - FETSuas-SP, do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, da Associação dos Trabalhadores da Secretaria de Desenvolvimento Social e participa da Frente Parlamentar em Defesa do SUAS/SP, da Assembleia Legislativa de São Paulo.

Fale-nos de suas atividades antes de ser sociólogo. Sabemos que teve atuação firme na época da luta contra a ditadura militar, em diversos movimentos sociais. 
Para além da fome que passei - eu, minha mãe e sete irmãos vindos do Piauí para São Paulo no ano de 1971 -, minha história social teve início em 1977, quando ingressei na indústria metalúrgica Prensas Schuller, em Diadema, cidade da região do Grande ABC paulista, e ali, em 1978, estava eu acompanhando, apesar da censura, a greve iniciada na empresa Scania, onde os trabalhadores exigiam a reposição salarial correspondente a 34,1%, índice que foi "surrupiado" pelo então ministro da ditadura Mário Henrique Simonsen, que, se estivesse vivo, possivelmente estaria junto com Antonio Delfim Netto na condição de conselheiro econômico dos governos do PT.


Imbuído apenas de um sentimento de solidariedade frente aos trabalhadores em luta, me aproximei do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema - posteriormente Metalúrgicos do ABC, onde fui membro da Comissão de Salários, da Comissão de Mobilização, militante de base como cipeiro (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), de Comissão de Fábrica, diretor sindical de base e vereador - 1997/2000 por São Bernardo do Campo. Ao término do mandato retornei ao meu trabalho regular de operário metalúrgico, pois, devido à pressão da peãozada na fábrica, conquistamos o direito a uma licença pelo período de quatro anos - período do mandato parlamentar. Participei da luta pela anistia ampla, geral e irrestrita (estive na manifestação da Praça da Sé), pelas Diretas Já!, pela Constituinte Soberana e pelas liberdades democráticas. Enfim, repetindo Neruda, confesso que vivi.

"Minha formação acadêmica em Ciências Sociais, na Fundação Santo André, foi uma grande realização, fez parte dos meus poucos direitos à escolha em minha vida"

Conte-nos as principais razões que o levaram a tomar a decisão de estudar Ciências Sociais e ser sociólogo. 
Descobrindo-me próximo da possibilidade da aposentadoria na iniciativa privada, decidi dedicar-me a um estudo acadêmico que significasse a possibilidade da continuidade da luta à qual sempre estive vinculado. Tentei jornalismo, mas devido à limitação financeira fui obrigado a desistir. Minha formação acadêmica em Ciências Sociais, na Fundação Santo André, foi uma grande realização, fez parte dos meus poucos direitos à escolha em minha vida.


Assim, após a aposentadoria na metalurgia e a formação acadêmica, fiquei um ano lecionando no ensino fundamental e médio da rede pública estadual (História e Sociologia), sendo, posteriormente, convocado para assumir uma vaga no concurso público da Secretaria de Desenvolvimento Social, onde exigiam, para a função de agente de desenvolvimento social, a formação em Sociologia/Ciências Sociais, Serviço Social, Psicologia, Pedagogia, Direito e outras profissões de nível superior.

Daí pra diante me somei a outros profissionais que estavam organizando as trabalhadoras e trabalhadores sociais na defesa dos interesses de usuários e trabalhadoras(es) da Assistência Social, na perspectiva de uma política pública de direitos e que culminou com a constituição do Fórum Nacional e Estadual de Trabalhadoras e Trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social - FNTSUAS e FETSuas-SP, e, nesse, tenho participado na representação dos sociólogos.

Qual o seu ponto de vista sobre os principais aspectos da LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social (8.742/93), promulgada no governo Itamar Franco? Fale dos espaços possíveis para o trabalho dos sociólogos nesse campo. 
É importante destacar que a primeira grande conquista foi a promulgação da Constituição de 1988, na qual foi escrito um capítulo para a Assistência Social e, depois, através de muita pressão popular, a aprovação da Lei Orgânica da Assistência Social com viés de política pública de direitos, não de benevolência, com participação e controle social. É bom lembrar que estávamos saindo da ditadura e a sede de participação era muito grande.


Penso que os principais aspectos da LOAS sejam a definição da Assistência Social enquanto política de direitos, a corresponsabilidade entre os entes federados - união, estados e municípios -, o comando único, a participação e controle social através dos conselhos, a definição das diretrizes políticas da Assistência Social através de conferências e de pacto federativo, o que envolve muita negociação. Até então, os sociólogos estavam na Assistência Social enquanto categoria profissional marginal, através dos chamados "cargos largos", uma função genérica como a de agente de desenvolvimento social, que comporta várias especializações, sem a obrigatoriedade trabalhista de respeitar acordos coletivos e pisos salariais específicos de nenhuma delas.
Após muitas articulações, com destaque ao FETSuas-SP e à Federação Nacional dos Sociólogos, conseguimos incluir os sociólogos enquanto profissionais da Assistência Social conforme a Resolução nº 17/2011 do Conselho Nacional de Assistência Social, que reserva um espaço amplo de atuação, desde a participação em equipe multidisciplinar para o desenvolvimento de ações socioassistenciais, diagnósticos territoriais, monitoramento, vigilância, avaliações e atividades de coordenação e gestão da política pública de Assistência Social, em suma, um grande espaço de atuação que, infelizmente, ainda não foi assimilado pelas instituições de nível superior nos currículos de graduação.

Você ocupa o cargo de agente de desenvolvimento social na Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de SP . O que você faz exatamente no seu dia a dia? 
O nosso trabalho consiste no controle e monitoramento do Sistema Único de Assistência Social junto aos municípios e às entidades que recebem cofinanciamento público. Acompanhamos as reuniões dos conselhos municipais de Assistência Social, de Direitos da Criança e do Adolescente, do Idoso, fazemos registros e damos fé pública de seu funcionamento. Acompanhamos as reuniões socioeducativas dos programas estaduais e federal - Renda Cidadã, Ação Jovem, Programa Bolsa Família, Programa de Erradicação do Trabalho Infantil etc. - e realizamos ações de formação técnica para o aprimoramento do Sistema Único de Assistência Social e da política, com vistas à superação das condições que perpetuam as desigualdades sociais. Claro que muito do que estou relatando ainda faz parte de uma utopia, por existirem muitos gestores públicos com uma ideia arcaica da Assistência Social, que nega as diferenças sociais impostas pelo modelo econômico existente e responsabiliza as vítimas por sua desgraça. Mas posso assegurar que estamos avançando e, sem sombra de dúvidas, nós, sociólogos, estamos e temos muito no que contribuir.


"Penso que os principais aspectos da mudança na lei sejam a definição da Assistência Social enquanto política de direitos, a corresponsabilidade entre os entes federados - união, estados e municípios - o comando único, a participação e controle social através dos conselhos, dentre outros"

Poderia nos relatar algum eventual problema ou mesmo disputa de trabalho com outras profissões na secretaria em que você trabalha? Se existem, com quais categorias isso ocorre? 
Sim, ocorre. Entre sociólogos, assistentes sociais, psicólogos, advogados, pedagogos etc. E ocorre também entre profissionais de uma mesma área de conhecimento porque, suponho, vivenciamos a cultura profissional do capital que incentiva o individualismo, a meritocracia e, com isso, a permanente disputa no ambiente de trabalho. Felizmente, até por conta do avanço da política de Assistência Social, com a defesa da constituição de equipes multiprofissionais e a valorização dos vários olhares técnicos com objetivo de construir mecanismos para a superação das situações de risco social e pessoal de que uma parcela significativa de nossa população é vítima, a concorrência tem cedido espaço à compreensão de que os profissionais precisam estar juntos para o desenvolvimento de um bom trabalho e para avançar na conquista de novos direitos, independentemente se é profissional de nível fundamental, médio ou superior. O essencial é que todas e todos se entendam enquanto trabalhadoras e trabalhadores desenvolvendo uma política pública de interesse social.


"O nosso trabalho consiste no controle e monitoramento do Sistema Único de Assistência Social junto aos municípios e às entidades que recebem cofinanciamento público. Acompanhamos as reuniões dos conselhos municipais de Assistência Social, de Direitos da Criança e do Adolescente, do Idoso, fazemos registros e damos fé pública de seu funcionamento"

Por fim, aponte-nos as perspectivas de atuação dos sociólogos no cenário atual brasileiro.
Estamos vivendo um momento bastante preocupante para a classe trabalhadora em geral e os sociólogos não fogem a essa realidade. A política econômica baseada na exportação de commodities, na ampliação do consumo/endividamento interno, no superávit primário e juros elevados nos colocam no caminho da dependência externa e em um cenário pouco promissor para o crescimento da demanda de mão de obra especializada. Em contrapartida, temos várias instituições que estão mobilizadas e atentas para assegurar "a César, o que é de César", ou seja, assegurar a contratação de sociólogos onde de fato a especificação técnica assim o dispor. Não podemos mais aceitar que as várias outras formações desenvolvam o nosso trabalho e que não se disponham vagas aos sociólogos, seja na gestão pública em geral, na Saúde, Assistência Social, Educação, planejamento etc., ou mesmo na iniciativa privada - território onde o preconceito com nossa formação está muito presente. Na Assistência Social, a nota técnica apresentada pela Federação Nacional dos Sociólogos (ver https://sites.google.com/site/federacaonacionaldossociologos) deu a medida de nossas responsabilidades, tais como: produção e gestão da informação para subsidiar a tomada de decisão de gestores (públicos e privados); elaboração de relatórios e notificação da ocorrência de situações de violações de direitos; estudos sobre a demanda por equipamentos da Assistência Social, a capacidade de atendimento, a produção de conhecimento acerca do público atendido, do não atendido, buscando identificar as demandas latentes; organização do sistema de informação - banco de dados de usuários, das entidades sociais, cadastramento socioeconômico, acompanhamento familiar; construção do fluxo da rede de atendimento socioassistencial e articulação com outras políticas setoriais (intersetorialidade); diagnóstico, planejamento, monitoramento e avaliação de projetos para enfrentamento da pobreza; estratégias para a diminuição da incidência dos fatores que causam a vulnerabilidade e a violação de direitos - tais como o trabalho infantil, a violência doméstica contra crianças, adolescentes e mulheres, a exploração sexual, o abandono, o uso de substâncias psicoativas etc.; desenvolvimento de estratégias e instrumentais de pesquisa que permitam o diagnóstico e a consolidação de dados sobre as situações de risco e vulnerabilidade da realidade socioterritorial em sua complexidade; incentivo e estímulo para o convívio familiar, comunitário e da organização da vida cotidiana; acompanhamento familiar sistemático por meio da oferta de serviços e benefícios socioassistenciais; execução de atividades e campanhas socioeducativas que visem a mobilização social e individual para o exercício da cidadania e defesa dos direitos; mobilização e fortalecimento das redes sociais de apoio comunitário e familiar; participação em campanhas socioeducativas e atividades comunitárias que promovam o protagonismo dos usuários; formulação de orientação técnica de materiais informativos.


Assim como na Assistência Social, precisamos que os profissionais dos demais segmentos se articulem em torno de seu sindicato, federação ou outra organização representativa que unifique os trabalhadores e que assim possam contribuir na construção de notas técnicas para a intervenção sociológica possível, considerando a nossa especificidade técnica (nossos saberes), a ética e as normativas que regulamentam e reconhecem nossa profissão. Nós, do estado de São Paulo, podemos contar também com o apoio e vigilância do Sindicato dos Sociólogos, que está assumindo a responsabilidade na articulação dos profissionais dos vários segmentos.

Fonte: Revista Sociologia

* Lejeune Mirhan é sociólogo, professor, escritor e arabista. Colunista da Revista Sociologia da Editora Escala e colaborador do portal da Fundação Maurício Grabois e do Portal Vermelho. Foi professor de Sociologia e Ciência Política da UNIMEP entre 1986 e 2006. Presidiu o Sinsesp de 2007 a 2010. E-mail: lejeunemgxc@uol.com.br

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