quinta-feira, 5 de novembro de 2015

ONDE TRABALHA UM SOCIÓLOGO?



Por Leonel Salgueiro

Estaria a sociologia apenas vinculada à academia? Afinal, existe “vida” além da “torre de marfim”? Em seu artigo “A sociologia quando ‘sai’ da universidade: ilustrações para um debate”, a socióloga Adelia Miglievich analisa a experiência de 21 sociólogos brasileiros que exercem funções não vinculadas às universidades. A autora discute a importância e os desafios que se impõe a profissão sociológica “não acadêmica” e seu papel crítico para pensarmos o desenvolvimento da sociologia na atualidade.

Partindo do senso comum, é cotidiana a associação da figura do sociólogo com a carreira científica. Miglievich argumenta que este elo tem fortes influências históricas, que dizem respeito à formação de uma comunidade científica, ou como diria Bourdieu, um campo científico. Segundo a autora, a ciência se institucionaliza através de comunidades científicas, onde trabalhadores intelectuais coordenam seus trabalhos mediante associações capazes de legitimar sua prática. A institucionalização do campo sociológico é compreendida como parte de um processo intelectual que, por sua vez, associa-se às instituições de pesquisas e centros universitários, ou seja, à vida acadêmica.

Contudo, o sucesso na constituição de uma prática acadêmico-científica pareceu, segundo a autora, excluir o espaço dos profissionais das esferas não acadêmicas. Para manterem-se na carreira científica, os bacharéis em sociologia e ciências sociais têm feito suas carreiras rigorosamente acadêmicas, permanecendo nas instituições após suas formações. Segundo Miglievich, raras são as exceções de profissionais que se inseriram no mercado de trabalho “não acadêmico”, sem que, para isso, tenham aberto mão da especificidade de sua prática científica. Isso ocorre tanto pela legitimação de uma produção científica vinculada às instituições de fomento, quanto pela desorganização das demandas nos quadros de qualificação do mercado de trabalho, que veremos mais à frente.

Para ilustrar sua análise, a autora optou por investigar a presença dos sociólogos no IBASE (Instituto Brasileiro de Análise Socioeconômicas); FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional); IBAM (Instituto Brasileiro de Administração Municipal) e SENAC-DN (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – Departamento Nacional), escolhidos por serem ONGs, assessorias governamentais e/ou instituições mistas (público e privado).

A partir da análise dos dados e das entrevistas em conjunto, Miglievich percebeu que as demandas de trabalho para tais instituições não especificam a formação sociológica. Como salientou uma das entrevistadas, “o sociólogo não tem uma identidade no IBASE. Ele cumpre o mesmo papel de outros pesquisadores” e complementa “sociólogos assumidos aqui só existem três. Não se contratam especificamente sociólogos. Uma pessoa é contratada em função de suas habilidades, qualquer que seja sua formação de origem”.

De fato, o caráter especifico de sua área é substituído no mercado de trabalho pelo perfil do “técnico social”. Fazendo com que a legitimidade do fazer sociológico dispute espaço com outras disciplinas científicas. Segundo o sociólogo Cunha Marinho, citado pela autora, a própria legalização da profissão pela Lei 6.888, seguida pelo Decreto 89.531 não distingue as atividades sociológicas daquelas dos economistas, juristas, assistentes sociais, educadores, psicólogos, historiadores e todas que lidam com o “social”.

Por outro lado, a especialização do “intelectual técnico” tem impacto no seu desenvolvimento teórico. Não é necessário um investimento em sua produção teórica, visto que é de maior relevância sua produção prática. Miglievich observa que por vezes o lado teórico atrapalha na contratação do profissional, sendo este visto como “contaminado” com os ideais da academia. Percebe-se que é dada uma maior oportunidade aos recém formados que ainda não tiveram profundo contato com a academia e podem ser apresentados as carreiras técnicas.

Dessa forma, cria-se nas carreiras não acadêmicas um novo ethos sociológico. Para uma entrevistada, por exemplo: “…tenho dificuldades de dizer para você se o que eu ‘inventei’, se o que eu fiz na minha prática, foi algo que tenha a ver com a Sociologia, com a minha formação acadêmica ou com a minha percepção como cidadão que interage no ambiente social (…) Nas ONGs a confusão (do que é ser sociólogo) é maior porque o sociólogo atua em diferentes dimensões.”

Esse distanciamento entre as profissões tem levantado preconceitos nos imaginários de ambos, “não acadêmicos” e acadêmicos. A autora ressalta que os acadêmicos, por exemplo, são vistos como portadores de uma incapacidade organizacional por tratarem-se de “idealistas”, lentos em suas produções, dada a não preocupação com prazos, não adaptáveis a horários rígidos e adeptos a uma escrita que não possui clareza para o público em geral, não cabendo assim ao perfil das instituições não acadêmicas.

A autora ressalta a urgência na união dos atores das universidades, poder público e da sociedade civil em virtude de uma autorreflexão, e consequentemente uma autocrítica sobre o papel do sociólogo atual. Incluo também o papel da sociologia atualmente. Talvez seja por meio da união entre as diferentes profissões de um sociólogo e o desenvolvimento da “analise narcisista”, ou seja, uma análise sobre sua própria função como sociológico, que se torne possível pensarmos estratégias para retomar os rumos de nossa carreira no futuro.





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