Por Leonel Salgueiro
Estaria a sociologia apenas vinculada à academia? Afinal, existe
“vida” além da “torre de marfim”? Em seu artigo “A sociologia quando ‘sai’ da
universidade: ilustrações para um debate”, a socióloga Adelia Miglievich
analisa a experiência de 21 sociólogos brasileiros que exercem funções não
vinculadas às universidades. A autora discute a importância e os desafios que
se impõe a profissão sociológica “não acadêmica” e seu papel crítico para
pensarmos o desenvolvimento da sociologia na atualidade.
Partindo do senso comum, é cotidiana a associação da figura do
sociólogo com a carreira científica. Miglievich argumenta que este elo tem
fortes influências históricas, que dizem respeito à formação de uma comunidade
científica, ou como diria Bourdieu, um campo científico. Segundo a autora, a
ciência se institucionaliza através de comunidades científicas, onde
trabalhadores intelectuais coordenam seus trabalhos mediante associações
capazes de legitimar sua prática. A institucionalização do campo sociológico é
compreendida como parte de um processo intelectual que, por sua vez, associa-se
às instituições de pesquisas e centros universitários, ou seja, à vida
acadêmica.
Contudo, o sucesso na constituição de uma prática acadêmico-científica
pareceu, segundo a autora, excluir o espaço dos profissionais das esferas não
acadêmicas. Para manterem-se na carreira científica, os bacharéis em sociologia
e ciências sociais têm feito suas carreiras rigorosamente acadêmicas,
permanecendo nas instituições após suas formações. Segundo Miglievich, raras
são as exceções de profissionais que se inseriram no mercado de trabalho “não
acadêmico”, sem que, para isso, tenham aberto mão da especificidade de sua
prática científica. Isso ocorre tanto pela legitimação de uma produção científica
vinculada às instituições de fomento, quanto pela desorganização das demandas
nos quadros de qualificação do mercado de trabalho, que veremos mais à frente.
Para ilustrar sua análise, a autora optou por investigar a presença
dos sociólogos no IBASE (Instituto Brasileiro de Análise Socioeconômicas); FASE
(Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional); IBAM (Instituto
Brasileiro de Administração Municipal) e SENAC-DN (Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial – Departamento Nacional), escolhidos por serem ONGs,
assessorias governamentais e/ou instituições mistas (público e privado).
A partir da análise dos dados e das entrevistas em conjunto,
Miglievich percebeu que as demandas de trabalho para tais instituições não
especificam a formação sociológica. Como salientou uma das entrevistadas, “o
sociólogo não tem uma identidade no IBASE. Ele cumpre o mesmo papel de outros
pesquisadores” e complementa “sociólogos assumidos aqui só existem três. Não se
contratam especificamente sociólogos. Uma pessoa é contratada em função de suas
habilidades, qualquer que seja sua formação de origem”.
De fato, o caráter especifico de sua área é substituído no mercado de
trabalho pelo perfil do “técnico social”. Fazendo com que a legitimidade do
fazer sociológico dispute espaço com outras disciplinas científicas. Segundo o
sociólogo Cunha Marinho, citado pela autora, a própria legalização da profissão
pela Lei 6.888, seguida pelo Decreto 89.531 não distingue as atividades
sociológicas daquelas dos economistas, juristas, assistentes sociais,
educadores, psicólogos, historiadores e todas que lidam com o “social”.
Por outro lado, a especialização do “intelectual técnico” tem impacto
no seu desenvolvimento teórico. Não é necessário um investimento em sua produção
teórica, visto que é de maior relevância sua produção prática. Miglievich
observa que por vezes o lado teórico atrapalha na contratação do profissional,
sendo este visto como “contaminado” com os ideais da academia. Percebe-se que é
dada uma maior oportunidade aos recém formados que ainda não tiveram profundo
contato com a academia e podem ser apresentados as carreiras técnicas.
Dessa forma, cria-se nas carreiras não acadêmicas um novo ethos
sociológico. Para uma entrevistada, por exemplo: “…tenho dificuldades de dizer
para você se o que eu ‘inventei’, se o que eu fiz na minha prática, foi algo
que tenha a ver com a Sociologia, com a minha formação acadêmica ou com a minha
percepção como cidadão que interage no ambiente social (…) Nas ONGs a confusão
(do que é ser sociólogo) é maior porque o sociólogo atua em diferentes
dimensões.”
Esse distanciamento entre as profissões tem levantado preconceitos nos
imaginários de ambos, “não acadêmicos” e acadêmicos. A autora ressalta que os
acadêmicos, por exemplo, são vistos como portadores de uma incapacidade
organizacional por tratarem-se de “idealistas”, lentos em suas produções, dada
a não preocupação com prazos, não adaptáveis a horários rígidos e adeptos a uma
escrita que não possui clareza para o público em geral, não cabendo assim ao
perfil das instituições não acadêmicas.
A autora ressalta a urgência na união dos atores das universidades,
poder público e da sociedade civil em virtude de uma autorreflexão, e
consequentemente uma autocrítica sobre o papel do sociólogo atual. Incluo
também o papel da sociologia atualmente. Talvez seja por meio da união entre as
diferentes profissões de um sociólogo e o desenvolvimento da “analise
narcisista”, ou seja, uma análise sobre sua própria função como sociológico,
que se torne possível pensarmos estratégias para retomar os rumos de nossa
carreira no futuro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário